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Resenha – Por que crianças matam: A História real de Mary Bell

Atualizado: 9 de jan. de 2023


Por que crianças matam: A História real de Mary Bell - Gittta Sereny

Este livro causou muita polêmica quando veio a público em 1998. Ele conta a história de Mary Bell, a menina de 10 anos que matou dois garotos – de 4 e 3 anos respectivamente – em 1968 tornando-se a pessoa mais jovem a ser condenada por assassinato na Inglaterra. Quem se encarregou da tarefa controversa de escrever essa história, foi a jornalista e historiadora austríaca Gitta Sereny, que nessa época estava baseada na Inglaterra.


Primeiro livro de Gitta Sereny sobre o caso de Mary Bell de 1972

Gitta não era novata no assunto, ela cobriu o caso de Mary Bell quando ele acabara de ocorrer, o que gerou seu primeiro livro sobre temas controversos, “The Case of Mary Bell: A Portrait of a Child Who Murdered (1972)” (O caso de Mary Bell: Um retrato de uma criança que cometeu um assassinato), onde ela narrou com detalhes todos os tramites do julgamento e condenação da “criança assassina” como Mary Bell passou a ser chamada pelos tabloides britânicos. Gitta também escreveu sobre a condenação de carrascos nazistas, o que permitiu a ela refletir sobre a origem do mal que perpetraram.


Além disso, trabalhou com crianças que haviam sobrevivido aos campos de concentração nazistas. Ou seja, não havia em toda a Inglaterra ninguém mais preparada do que a Senhora Sereny para fazer esse trabalho, que exigia estomago e sobretudo ética jornalística para não cair no puro sensacionalismo.


Para escrever esse livro Gitta Sereny se reuniu com Mary Bel, 30 anos depois de seus crimes, para juntas tentarem entender o que leva uma criança a cometer o maior crime que alguém pode cometer. As entrevistas, ou conversas, foram feitas dentro de um período de 5 meses em que Mary Bell – agora uma mulher de 41 anos em seu segundo casamento e com uma filha – foi inquirida a se lembrar dos eventos que a tornaram uma figura pública no final dos anos 60.


O livro é muito bem escrito. Desde o início a autora busca deixar claro que não se trata de uma retratação ou tentativa de atenuação dos crimes cometidos pela biografada. Como a própria escritora disse, sua intenção é “usar Mary e sua história” para refletir sobre as reformas judiciais tão necessárias a Grã-Bretanha – e que ainda hoje, mais de 20 anos após a publicação do livro ainda parece estar em curso.


O livro se inicia falando dos bastidores da negociação com os agentes de condicional e, com a própria Mary, para se encontrarem e levar a cabo o projeto. É importante deixar claro que Mary Bell já havia recusado pelo menos duas outras propostas de tabloides ou editoras para vender sua história. O que ela sempre buscou após sua libertação condicional foi ficar longe dos holofotes e viver uma vida mais próxima de uma pessoa normal com sua nova identidade. Apesar disso seus familiares, especificamente sua mãe e seu primeiro marido, pareciam estar muito interessados em lucrar com sua história.



Apesar de deixar claro a seriedade e a pragmática intenção de seu trabalho, a autora foi muito criticada por essa obra, pois Mary Bell receberia uma quantia considerável pelas vendas do livro. A opinião pública levantou a voz contra tal empreitada, e obviamente os familiares das vítimas de Mary Bell que criticaram o fato de a assassina de seus filhos ter mais regalias do estado do que eles que são as vítimas. Até mesmo o governo britânico tentou intervir.


O Ministro do interior da Grã-Bretanha a época, Jack Straw, disse que ele e grande parte dos britânicos estavam “profundamente ofendido” pelo fato de uma assassina de crianças poder ganhar dinheiro com seus crimes. O curioso sobre esse caso é que esse mesmo ministro se tornou internacionalmente conhecido anos depois por ter intermediado a libertação do ditador chileno Augusto Pinochet que tinha sua prisão decretada por crimes conta a humanidade. Depois da libertação do ditador, Jack Straw foi duramente criticado por ONGs e defensores dos direitos humanos mundo afora por defender um “genocida”.


A escrita da autora é impecável e sedutora. No entanto, há um viés ideológico na preparação de seu texto. Ela parte do pressuposto de que todos somos essencialmente bons e uma criança é incapaz de cometer um crime como o de Mary Bell, senão quando é levada a isso pela desorientação familiar. Ou seja, a autora defende que Mary Bell foi levada a tirar a vida dos dois garotinhos pelos abusos físicos e psicológicos perpetrados por sua mãe. Apesar de ter sido duramente criticada e chamada de “defensora de monstros”, encontramos um ótimo arcabouço teórico que fortalece sua constatação.


Mary Bell em 1968, ano em que cometeu os crimes

Betty Bell, tinha 16 anos quando deu à luz a Mary. De acordo com familiares de Betty, como sua mãe e sua irmã, ela a recusou e fez de tudo para doar sua filha para alguém. Há indícios de que ela tenha tentado envenenar a pequena Mary pelo menos por quatro vezes dando a ela uma alta dose de comprimidos.


Os relatos de Mary Bell a Sereny são contundentes e chocantes. Muitos já foram corroborados por familiares e conhecidos da família Bell. Seu pai, Billy Bell, vivia sendo preso e a mãe, que a época estava separada de Billy, se prostituía e deixava os filhos por dias sob os cuidados de parentes ou vizinhos. Em um determinado momento da conversa, Mary Bell revela, causando nítida surpresa na entrevistadora, como sua mãe a usava para satisfazer seus clientes quando ela então tinha 4 e depois 8 anos. São os relatos mais repugnantes do livro depois dos detalhamentos de como ela matou os dois garotinhos.


Há uma possibilidade, levantada por críticos e pela própria autora de que a Mary Bell adulta esteja produzindo falsas memórias. Afinal, todo tipo de sandices foi atribuído a ela pela imprensa no decorrer de 30 anos e ela própria pode ter construído essas memórias de forma inconsciente para tentar explicar seus atos hediondos. Devemos ter em mente que todas as declarações de Mary Bell são versões de uma mulher adulta sobre os atos horríveis de uma criança que um dia ela foi.


Sobre os abusos sexuais perpetrados pela mãe, a autora não poderia reunir os clientes de Betty Bell para confrontá-los com as declarações de Mary, mas ao menos uma declaração recolhida por Gitta Sereny em 1970 quando a autora preparava seu primeiro livro sobre Mary Bell, corrobora as falas de Mary. Um vizinho que vivia no andar de cima da casa onde Betty Bell vivia com os filhos – Mary era a mais velha de 4 filhos – teria comentado, que tudo havia começado quando a menina era bem pequena. Não sabemos o que havia começado, mas Sereny defende que ele se referia a Betty Bell aliciando sua filha sexualmente.


Norma Bell - cúmplice de Mary - aos 14 anos, a época dos assassinatos de Martin e Brian



Mary Bell aos 23 anos já fora da prisão (Ela está até hoje em liberdade condicional)

Mary Bell negou seus crimes durante muitos anos. No início, colocava toda a culpa em Norma Bell, sua amiga e vizinha de 14 anos – apesar do mesmo sobrenome não eram parentes – que foi presa e julgada juntamente com ela, por ser cúmplice em pelo menos um dos assassinatos. O júri considerou que Norma não teve participação efetiva nos assassinatos e que foi persuadida por Mary a presenciar suas ações e a absolveu das acusações. Com o tempo Mary passou a dizer que tudo não passou de um terrível acidente. Ela não tinha a intenção de matar Brian e Martin. O problema foi que ela não entendia que eles estavam mortos, pois era tudo uma brincadeira. É justamente neste livro que Mary decide encarar seu passado e assumir que foi suas mãos que esganaram os garotos e isso provocou a morte deles.


Ou seja, o livro é bem detalhado, e nos convida refletir sobre como uma criança pode ser levada a cometer crimes hediondos e sugere meios de como tratar do problema. Gitta Sereny faz duras críticas ao sistema judiciário britânico que julga uma criança de 11 anos como um adulto. A autora toca em um outro caso de assassinato perpetrado por crianças que a época que escrevia esse livro estava ainda fresco na memória dos britânicos. Em 1993 James Bulger então com 2 anos de idade é sequestrado em um Shopping Center em Liverpool e assassinado de forma brutal por dois garotos de 10 anos.


Sereny chega a tratar do assunto com Mary Bell que não escondeu seu medo de ter sua identidade descoberta sempre que um caso de crianças assassinas vem à tona na imprensa mundial. Sereny conclui que a necessidade de punição é evidente, assim como a lei de anonimato deve ser mantida. Mas crianças de menos de 12 anos não devem ser julgadas como adultas.


O livro pretende ser uma reflexão sobre um problema que já na época de sua publicação – mais de 20 anos atrás – já estava em ascensão, o crescimento de delinquentes cometendo crimes brutais cada vez mais cedo. (Devemos lembrar que no Brasil tivemos dois casos emblemáticos de crianças assassinas, Marcelo Pesseghini de 13 anos que matou a família e se matou em 2013 e bem mais recentemente uma garota de 11 anos do Espírito Santo matou a própria mãe com a ajuda do namorado de 14 anos em outubro de 2022.) A autora critica uma certa alienação causada pela televisão, o que hoje podemos adaptar para o uso indiscriminado da internet, que causa um afastamento afetivo entre pais e filhos.



Ficha técnica



Por que crianças matam: A história de Mary Bell

  • Título original: Cries Unheard: Why Children kill – The story of Mary Bell

  • Autora: Gitta Sereny

  • Trad.: Erick Ramalho

  • Editora: Vestígio

  • Ano: 2020

  • 396 páginas






Fontes:

BBC – NEWS. Child killer payment sparks law review. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/83998.stm> Acesso em: 05 de jan. 2023.

BBC – NEWS. UK. Victim's mother makes Mary Bell protest. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/107980.stm > Acesso em 06 de jan. 2023.


André Stanley é escritor e professor de História, inglês e espanhol. Também atua como designer gráfico e fotografo. É autor do livro "O Cadáver" e editor dos blogs: Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher. Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys.

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